🌈 A origem da palavra queer é do inglês, significando, inicialmente, “uma pessoa homossexual; especialmente um homem homossexual; frequentemente depreciativo, ofensivo.”1
🌈 Para melhor se compreender o termo como atualmente é utilizado faz-se necessário compreender o termo cis heteronormatividade. O termo cis faz referência à cis generidade, que é a condição na qual uma pessoa apresenta o mesmo gênero (psicossocial) que o seu sexo (corporal). Já o segmento “hetero” do termo faz referência à orientação sexual da pessoa que sente atração física, amorosa e/ou afetiva a pessoas do sexo e/ou gênero oposto. Por fim, o segmento “normatividade” faz referência à imposição de uma norma, uma padronização da coletividade. A união desses três segmentos do termo nos leva, pois, ao significado final de crença de que a única possibilidade de união saudável entre pessoas seria a união entre uma mulher e um homem cisgêneros, em alinhamento com aquilo que é habitualmente visto na natureza2.
🌈 Em se tratando de sexualidade, no entanto, há que se levar em conta a relação entre um sujeito e o objeto que o satisfaz. Na maioria das espécies mais evoluídas isso se faz de forma instintiva, na qual o exato objeto que possa satisfazer o sujeito é claramente delimitável: a água, a comida, o abrigo, a fêmea, o macho etc. Nelas a relação sexual ocorre para fins exclusivamente reprodutivos, quando a fêmea está no período fértil (cio), enquanto o macho que irá fecundá-la será o vencedor de disputa com os demais; a relação será com a penetração do pênis na vagina, ejaculação, gestação e nada mais. Já a espécie humana não é movida por instinto, mas sim por pulsão, na qual o objeto que possa satisfazer o sujeito tem algo de mal delimitado, indefinido, mutável, justamente devido à nossa capacidade de criar e de modificar a natureza a nosso favor: temos a expectativa de algo a mais e melhor do que a simples água, comida, abrigo, enfim, daquilo que a natureza nos oferece; a atividade sexual não é exceção a isso3,4,5,6. Tal fato pode ser exemplificado, inclusive, nas artes, como no trecho abaixo do grupo Titãs:
🌈Sendo assim, é esperado que, na espécie humana, haja a expectativa de formas de manifestação sexual para além daquilo que ocorre habitualmente em outras espécies, ou seja, algo além daquilo que faria analogia ao contexto cis heteronormativo.
🌈Neste sentido, a existência de outras formas que não a cis heteronormatividade nas práticas sexuais pode ocorrer de forma considerada saudável na espécie humana (desde que haja consentimento pelos participantes e não cause sofrimento neles ou em terceiros). Ao longo das últimas décadas os movimentos pelo respeito a esta diversidade sexual cresceram, chegando à comunidade hoje denominada LGBTQIAPN+. Dentro deste movimento, o termo queer foi carinhosamente adotado como um significante das práticas ou pessoas praticantes, simpatizantes ou mesmo respeitosas a esta liberdade de ser e agir; o paradoxo contido no uso da palavra ressalta e faz lembrar que, se antes posicionamentos e práticas diferentes daquilo imposto pelo modelo cis heteronormativo causavam sentimentos depreciativos nas pessoas, hoje devem ser vistos com respeito e considerados como sendo saudáveis2,7,8.
Texto por: Dr. André Marquez Cunha, Departamento LGBTQIAPN+, ABEMSS
Oxford English Dictionary [Internet]. [place unknown]: Oxford University Press; 2023. queer; [cited 2024 Mar 10]; Available from: https://www.oed.com/search/dictionary/?scope=Entries&q=queer
Reis T. Manual de Comunicação LGBTI+ [Internet]. 2nd ed. Curitiba: Nucleo de estudos Afro-Brasileiros – Universidade Federal do Paraná; 2018 [cited 2024 Feb 16]. 99 p. ISBN: 978-85-66278-11-8. Available from: https://www.grupodignidade.org.br/wp-content/uploads/2018/05/manual-comunicacao-LGBTI.pdf
Baravalle L. A função adaptativa da transmissão cultural. Scientiae Studia [Internet]. 2012 [cited 2024 Feb 16];10:269-95. DOI 10.1590/S1678-31662012000200004. Available from: https://www.scielo.br/j/ss/a/wFZJrcGFbkbDvTMDsfrPkbp/?format=pdf&lang=pt
Freud S (1915). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição standard brasileira. 2nd ed. Rio de Janeiro: Imago; 1987. Os instintos e suas vicissitudes; p. 123-46.
Freud S (1905). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição standard brasileira. 2nd ed. Rio de Janeiro: Imago; 1987. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade; p. 118-228.
Lacan J (1964). O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985. 270 p. ISBN: 85·85061-10-3.
World Health Organization. Gender mainstreaming for health managers: a practical approach [Internet]. Suíça: World Health Organization Press; 2021 [cited 2024 Feb 16]. 146 p. ISBN: 978 92 4 150107 1. Available from: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/44516/9789241501071_eng.pdf?sequence=1
World Health Organization: Newsroom [Internet]. [place unknown]; 2024. Questions and answers: Gender and Health; [cited 2024 Feb 16]; Available from: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/gender-and-health