🌈 Pessoas intersexo possuem características corporais que, em seu conjunto, não possuem a linearidade binária que é esperada para seres mamíferos designados como fêmeas ou machos típicos. Essas características do corpo, que são tradicionalmente vinculadas à classificação do sexo feminino ou masculino ao nascimento, são representadas principalmente pelas genitálias, pelas gônadas, por órgãos com função reprodutiva (como útero e próstata), por cromossomos, pela presença de hormônios ou pela resposta corporal aos hormônios gonadais. Assim, o conjunto dessas características corporais em pessoas intersexo não se apresenta da mesma forma do que em pessoas endosexo (aquelas que não são intersexo) e ocorre em diferentes variações, devido a diversas condições intersexo.
🌈 O reconhecimento da intersexualidade pode acontecer logo ao nascimento, o que acontece muitas vezes pela apresentação de uma genitália atípica, mas as variações da binariedade corporal relacionada a sexo podem ser percebidas pela primeira vez na puberdade ou em outros momentos da vida, a partir de investigações ou mesmo como achado não intencional a partir de exames.(1)
🌈 Estima-se que 1,7% da população possua traços intersexo, embora muitas vezes a pessoa não se identifique como pessoa intersexo por não conhecer sua condição intersexo ou por não se reconhecer ou não se colocar politicamente desta forma.(2) A intersexualidade é um termo “guarda-chuva”, dentro do qual cabem diversas condições intersexo ou nomeações. O termo “hermafrodita” não deve ser usado de forma usual por ter a tendência de ser estigmatizador e incorreto, pois apesar de haver uma condição intersexo específica nomeada com esse termo, desconsidera que seres mamíferos não são constitucionalmente hermafroditas. O movimento de pessoas intersexo preconiza que a sigla DDS represente o termo “Diferenças de Desenvolvimento do Sexo”, ao invés de “Distúrbio de Desenvolvimento Sexual”, (3) para que o desenvolvimento genital mais frequente não seja o único considerado normal.(4)
🌈 A intersexualidade não é, por si só, uma patologia ou uma condição de agravo à saúde, pois muitas condições intersexo não implicam em ausência de qualidade de vida e uma porcentagem pequena das pessoas intersexo possuem necessidade de intervenções cirúrgicas ao longa da vida para que possam garantir a funcionalidade de seus corpos (como eliminações fisiológicas) (5). Cirurgias genitais em crianças tendem a gerar mais sofrimento do que conforto, a curto, médio e longo prazo (3), portanto compreende-se que a alteração dos corpos de pessoas intersexo com o objetivo de impor a eles uma aparência tipicamente compreendida como feminina ou masculina (binária) desrespeita direitos humanos fundamentais, como o direito à integridade física, a estar livre de torturas e de tratamentos patologizantes, à igualdade, à não-discriminação e à autonomia.(1) Cirurgias com intenção de transformar esteticamente os corpos intersexo e/ou de possibilitar práticas sexuais específicas (como penetração vaginal) podem ser oferecidas a pessoas adultas, que tenham capacidade de decidir conscientemente sobre seu próprio corpo.(6)
🌈 O direito ao registro é um dos direitos humanos que precisam ser garantidos às pessoas intersexo. Para tanto, a Declaração de Nascido Vivo (DNV) deve ser preenchida com o campo “sexo” assinalado com a opção “ignorado” e entregue à família para que o registro civil possa ser . Portanto, quaisquer investigações anatômicas, procedimentos de alteração genital ou suplementações hormonais não definem o preenchimento da DNV e as famílias devem ser informadas disso, pois a ausência de registro gera muita angústia e sofrimento a elas. A Certidão de Nascimento emitida pode ser acrescentada da informação sobre sexo posteriormente, sem prazo delimitado para tanto. (7)
Texto por: Dra. Ana Amorim – @ana.p.a.amorim
(1) United Nations Human Rights. Intersex [Internet]. New York: UNFE; 2018 . Disponível em: https://unfe.org/system/unfe-65-Intersex_Factsheet_ENGLISH.pdf
(2) Jones T, Hart B, Carpenter M, Ansara G, Leonard W, Lucke J. Intersex: Stories and Statistics from Australia. Cambridge, UK: Open Book Publishers, 2016.
(3) Silva MRD. Repensando os cuidados de saúde para a pessoa intersexo. In: Dias MB. Intersexo. Revista dos Tribunais; 1ª ed (23 de outubro de 2018)
(4) Hughes IA, Houk C, Ahmed SF, Lee PA. Consensus Group. Consensus statement on management of intersex disorders. Arch Dis Child; 19 abr 2006.
(5) European Union Agency for Fundamental Rights – FRA. The fundamental rights situations of intersex people. Vienna: 2015
(6) Grimstad F, Kremen j, Boskey ER, Wenger H. How should clinicians navigate decision making about genital surgeries among intersex and transgender populations. AMA Hournal of Ethics, jun 2023; 25 (6): E437-445.
(7) Souza ASL, Lima IMSO, Borges RCB. A proteção dos direitos à identidade da criança intersexo: um olhar para além do registro civil. Rev Direito e Práx, 2022; 13(02): 1200-1223.