O conceito de família é definido como um núcleo de pessoas com relações biológicas, ancestrais, legais ou afetivas, não se restringindo simplesmente ao modelo “tradicional” de herança romanaformado por homem e mulher e seus descendentes. Esse conceito mais amplo reflete a pluralidade das interações interpessoais envolvendo a comunidade LGBTQIAPN+, que no Brasil corresponde a quase 12% da população.
Recentemente, o entendimento do que é “família” foi colocado em discussão nas esferas legislativas, causando preocupação sobre os direitos adquiridos e suas consequências para a população LGBTQIAPN+. Segundo a constituição são direitos previstos a todo e qualquer cidadão: “direito à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à igualdade, à liberdade, bem como a garantia dos direitos civis e políticos”, sendo o Estado responsável por “punir qualquer discriminação que ofenda a liberdade e os direitos “.
Apesar de ainda não ser promulgado em forma de lei, o reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade familiar, por analogia à união estável, ocorreu pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, proposta pela Procuradoria-Geral da República, e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132. Tal ADI alegou que a discriminação de pessoas por seu gênero e sexo fere a cláusula pétrea da Constituição Federal que garante a liberdade de um indíviduo em dispor da sua própria sexualidade, direito a intimidade, à vida privada e exposição autônoma da sua sexualidade. Em adição, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, determinou que cartórios estariam proibidos de recusar a habilitação ou a celebração do casamento civil entre pessoas do mesmo gênero e sexo.
O reconhecimento da união estável de família homotransafetivas por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), indiretamente, contemplou os direitos de adoção e do uso de técnicas de reprodução assistida para essa população. A adoção, que é um ato jurídico, é amparada pelo Decreto de n.181/1890 e ligada à intimidade e afinidade dos pais pela criança. As técnicas de reprodução assistida para pessoas solteiras, casais homoafetivos e pessoas transgêneras também estão amparadas pelas resoluções 2.168/2017; 2.294/2021 e 2.283/2022 do Conselho Federal de Medicina. Esses casais podem recorrer a doação de gametas ou a concessão temporária de útero para gerar prole por técnicas de reprodução assistida garantindo o direito de parentalidade sobre a criança.
O não reconhecimento da união estável dessas famílias pode impactar diretamente em todas as decisões e direitos que foram conquistados nestes últimos anos pela comunidade LGBTQIAPN+, como já aconteceu em outros países. Recentemente, na Itália, foi sancionada uma lei que retira o nome da mãe não-biológica da certidão dos filhos de casais homoafetivos femininos. No Brasil, o não reconhecimento da parentalidade, além de invalidar a existências dessas famílias, resulta em perdas de direitos civis como herança e processos sucessórios.
Desta forma, discutir questões relacionadas à pluralidade do ambiente familiar e aos direitos das famílias homotransafetivas e reconhecer que existe uma fragilidade de base teológica e inconstitucional nessa discussão é um passo importante na manutenção desses direitos.
Texto elaborado pelo membro do departamento LGBTQIA da ABEMSS Sérgio Okano
No Instagram: @dr.sergiookano
Siga-nos no Instagram